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Uma história de voluntariado e empatia

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23 de julho de 2020

Imagine a seguinte situação: você é uma menina de uns 7, 8 anos, que mora em um bairro afastado do centro da cidade, numa região que sofre com o problema da violência. Você está participando de um projeto social, no qual são realizadas conversas em grupo, com outras meninas e com duas mediadoras, sobre identidade e autoestima; sobre reconhecer-se. No último dia do projeto, cada menina será fotografada e depois receberá este retrato para ficar como uma lembrança de todas as reflexões que foram feitas durante os encontros.

Você está muito animada com o encerramento do projeto. Neste dia, você também participa de uma oficina de autocuidado. Até que é chegado o momento de arrumar-se para a foto. Você diz que quer alisar o cabelo. Por quê? Porque seu cabelo é cacheado, e sempre ouve que ele é difícil de arrumar, que não é bonito. Muito mais fácil ficar com o cabelo bonito se ele for alisado.

Uma voluntária que também está participando do projeto naquele dia se senta para conversar com você. Ela pergunta sobre como geralmente você arruma seu cabelo, quem arruma ele para você e o que você realmente acha dele. Ela te ouve. Ela fala que entende o que você está passando e que quando criança quis muito que alguém soubesse como cuidar do cabelo dela. Ela diz que pode te mostrar como faz para cuidar do cabelo hoje. Do cabelo que é cacheado como o seu. Você topa? Sim.

Com carinho, ela pega um por um de seus cachinhos. Hidrata, modela. Durante todo esse momento, conversa com você. Finaliza e te mostra o resultado num espelho. Você sorri, não só porque se achou linda, mas porque alguém te ouviu, se conectou com os seus sentimentos e fez uma proposta, baseado naquilo que vocês conversaram.

Este pequeno cenário que compartilho aqui aconteceu entre uma menina participante do projeto “Eu vejo flores” e uma voluntária do Instituto Aurora. É uma das minhas histórias favoritas no instituto, pois demonstra muito bem a relação entre voluntariado e empatia.

Crédito: Larissa Tanaka Onuki

O que queremos dizer com empatia

A amígdala, um núcleo no cérebro, seria a responsável pela empatia, de acordo com a neurociência. As origens da empatia podem ser identificadas já na infância, como sugerem estudos relatados por Daniel Goleman, jornalista, doutor em psicologia e autor de livros como “Inteligência emocional: a teoria revolucionária que define o que é ser inteligente”. Bebês já reagem a perturbações que percebem acontecer com outras pessoas e, conforme se desenvolvem, percebem que o sofrimento do outro é diferente do seu, e buscam consolá-lo.

O filósofo Edmund Husserl afirma que a empatia permite compreender a vivência do “eu”, assim como a vivência por analogia do outro. Além disso, a empatia seria mais do que “colocar-se no lugar do outro”, ou identificar-se com o que o outro sente, mas entender o outro como um indivíduo, que possui suas próprias vivências, sentimentos e necessidades.

Voluntariado e empatia

A experiência do voluntariado muitas vezes nos coloca em situações de contato com pessoas que não encontraríamos de outra forma. E a empatia é essencial nestes momentos.

Sabe o que acabei de falar sobre entender o outro como um indivíduo? Esta é uma questão que considero essencial. Os participantes de um projeto, independente da sua faixa etária, gênero, raça, condição social, devem ser vistos como pessoas que têm suas próprias histórias, nem piores nem melhores do que as nossas. Quando nos afastamos dessa imagem de voluntários “salvadores”, podemos fazer conexões e trocas muito mais profundas e verdadeiras.

E se eu não tiver nada em comum com o outro?

A história que eu contei no começo do artigo relata uma situação em que o processo de empatia foi quase imediato. A voluntária se identificou prontamente com a menina, pois já havia passado, em outro momento de sua vida, por situações similares àqueles relatados. E quando essa conexão não é tão óbvia? E quando, aparentemente, não se tem nada em comum com o outro?

No Instituto Aurora, acreditamos e defendemos uma humanidade compartilhada. Ou seja, todos nós fazemos parte de uma mesma humanidade e compartilhamos de sentimentos e necessidades, embora eles nem sempre se manifestem da mesma forma. Ainda que as histórias de vida possam ser diferentes – aqui entra o reconhecimento do outro como indivíduo -, o entendimento da nossa humanidade comum nos conecta.

Com a empatia, estabelecemos uma conexão a qual enxerga no outro alguém a se considerar, escutar e respeitar. E desenvolver a empatia para além daqueles que são semelhantes a mim e a você é desenvolver a empatia em toda a sua potência.

Não sei se sou empático(a) o suficiente, e agora?

Uma boa notícia é que, de acordo com a neurociência, a empatia, além de ser uma habilidade que já é inerente ao ser humano, pode ser aprendida e desenvolvida. Por exemplo, Daniel Goleman cita estudos os quais apontam que quando crianças e jovens têm contato com conteúdo sobre a importância em ajudar eles desenvolvem uma maior propensão a serem solícitos e se importarem com o sofrimento do outro.

Os nossos “neurônios-espelho” são os responsáveis pelo processo de aprendizado da empatia, sendo que auxiliam no processo de “reprodução” de sentimentos que identificamos em outras pessoas. É o que acontece, por exemplo, quando vemos alguém chorando e temos vontade de chorar também.

A pesquisadora e escritora Brené Brown, em seu vídeo “O poder da empatia”, apresenta quatro características da empatia, a partir de pesquisas em enfermagem de Theresa Wiseman:

– Entender a perspectiva do outro;
– Reconhecer a perspectiva do outro como verdade;

– Não julgar;

– Reconhecer a emoção do outro, comunicando isso.

Estas quatro características podem ser um bom ponto de partida para se ter em mente sempre quando interagir com outras pessoas, em busca de atitudes mais empáticas.

Desta forma, uma atividade voluntária, além de ser um momento em que você pode (e deve) exercitar a sua empatia, também é uma oportunidade para desenvolver esta habilidade.

Uma mensagem final

Sabe o que a voluntária me falou depois do projeto descrito no começo no artigo?

“Aquela menina sou eu”.

E é este sentimento que eu espero que nós sempre carreguemos, seja em ações voluntárias ou em qualquer relação com outras pessoas em nossas vidas.

Mayumi Maciel
Assistente de Diretoria e Relacionamento
Mayumi Maciel é assistente de diretoria e relacionamento do Instituto Aurora Para Educação em Direitos Humanos, onde é responsável direta pelo relacionamento com voluntários e coordena projetos que envolvem literatura. É jornalista formada pela UFPR, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR. Atua em projetos sociais desde 2014.