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ONG e recursos: como captar?

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29 de abril de 2021

Já pensou em abrir uma ONG ou já direciona uma e não sabe como arrecadar recursos para que ela funcione da maneira que você espera? Seus problemas acabaram!

E é com esse já saturado clichê que o presente artigo ambiciona explicar um pouco, mas o essencial, sobre o gerenciamento de receitas nas organizações sem fins lucrativos e em projetos sociais.

Apesar dos fins de projetos sociais serem mais “dignos” do que o mero lucro para os administradores, como ocorre grosseiramente na iniciativa privada, uma boa ONG não deve ser apartada de uma boa estratégia financeira de receitas e custos. Ela deve estar focada na captação de recursos e alinhada com os melhores métodos disponíveis.

Assim como numa firma, sua ONG pode ter uma dúzia de problemas, mas se o primeiro for dinheiro, os outros onze, olhando bem nem são tão problemáticos. Portanto, vale muito a pena discutir sobre como as ONGs conseguem recursos de forma a manterem-se sustentáveis.

Em primeiro lugar, ONGs não vivem só de recursos físicos (dinheiro, comida, moradia etc.). Recursos humanos, leia-se voluntários e funcionários, são imprescindíveis. O importante é investir bem na divulgação da luta da ONG, seja em mídias sociais ou em outros canais de comunicação, de modo que a mensagem chegue às pessoas sensíveis a sua causa e insatisfação, de modo a desejarem, assim, voluntariarem-se.

Além disso, já que não há muitos Franciscos de Assis, apontar os benefícios de ser voluntário – lutar pelo que acredita, conhecer novas pessoas, melhorar o currículo e enriquecer sua experiência e cultura – pode ser muito frutífero.

Em segundo lugar, uma pesquisa do Instituto Ipsos (2019) mostrou que empresas apoiadoras de projetos sociais no combate às desigualdades sociais têm mais engajamento com os clientes. Consequência ou não, as empresas privadas são as maiores financiadoras de ONGs brasileiras.

A exposição positiva que as firmas terão caso doem recursos à ONG só será preferível para uma parceria se você estiver focado em celebrar e divulgar a marca. Para atrair novos beneficentes e agradar os estabelecidos, por exemplo, será preciso colocar o nome da marca no site da organização, nas realizações, eventos etc.

Mas, lembre-se “diga-me com quem andas e te direi quem tu és”. Portanto escolha bem seus aliados e acredite pra valer na patrocinadora. Pois as empresas acabam imprimindo um pouco a imagem e reputação delas à ONG.

Além do marketing, o objetivo agora passa a ser ir atrás de firmas com valores e princípios semelhantes aos seus e que compreendam a importância da ação da ONG para a própria firma. Não me fiz entender? Vou explicar direito. Há um maleável conceito em economia chamado de externalidade positiva.

Uma externalidade positiva é um efeito favorável da ação de um indivíduo ou grupo sobre terceiros, por exemplo, uma empresa que desenvolve programas pode patrocinar uma ONG que ensina informática a crianças e jovens de periferias, esperando que no futuro a oferta de programadores no mercado de trabalho seja maior. O fundamental é que entre a ONG e a empresa haja uma relação ganha-ganha.

Ademais, no vespeiro chamado Brasil há vaivém de escândalos, prisões, denúncias e várias palavras que significam mais ou menos a mesma coisa e não existem no estrangeiro: maracutaia, mamata, marmelada, muamba, falcatrua, trambique etc. Por isso, pode apostar que o povo é desconfiado.

É extremamente importante a ONG elaborar relatórios aos seus investidores, detalhando as fontes de recursos, como e onde foram aplicados, e explicar quais foram os efeitos dos projetos sociais realizados. Enfim, é importante ser transparente e prestar contas periodicamente, inspirando a confiança de seus parceiros e rechaçando quaisquer suposições de “pilantropia”.

Uma forma muito difundida de captar recursos de pessoas jurídicas é por meio de leis de incentivo fiscal, isto é, renúncia fiscal: o governo abre mão de arrecadar tributos de firmas que fazem doação a projetos sociais.

Nas leis de incentivo fiscal federal, a exigência por parte da empresa é a de que o regime de tributação seja sobre o lucro real. Qualificada para fazer a operação, o valor doado à ONG é deduzido do Imposto de Renda devido pela empresa.

Dentre os exemplos de leis de incentivo fiscais estão:

• Lei de Incentivo à Cultura (ex- Lei Rouanet), caso sua ONG atue em projetos culturais;

• Lei do Incentivo ao Esporte;

• Programa Nacional de Acessibilidade (PRONAS), se o propósito da ONG for lidar com pessoas portadoras de alguma deficiência;

• Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica (PRONON), se o foco for qualquer implicação do câncer.

Há também leis de incentivo fiscais estaduais e municipais, só que esse espectro é muito amplo e heterogêneo. Via de regra, não importa qual seja o regime de tributação da firma, visto que os impostos não mais incidem sobre a renda (ICMS, ISS, IPTU etc.).

Fique de olho nos editais de financiamento de projetos sociais das empresas desejadas e mãos à obra.

Em terceiro lugar tem-se as doações de pessoas físicas. Na edição do World Giving Index (2019), o Brasil conquistou a 74ª posição dentre os países onde mais se doa. Sem discutir o porquê disso, o fato é que existe uma massa considerável adormecida de doadores em potencial. Homens e mulheres que ainda não doam, mas que se fossem estimulados corretamente talvez o fizessem.

As pessoas são mais propensas a doar para ONGs com as quais compartilham a mesma causa, ou seja, se fulana não teve a oportunidade de estudar na adolescência e ciclano tem um filho autista, logo, ela é mais inclinada a investir em projetos sociais ligados à educação e ele em organizações que prestam auxílio aos autistas.

A maior vantagem dos recursos obtidos dessa forma, ao contrário do investimento das empresas, é que tais ficam mais livres e disponíveis a serem utilizados pela ONG. Normalmente, recursos advindos de empresas ficam muito amarrados a um projeto social específico.

A estratégia agora é elaborar um perfil fictício médio dos seus doadores por meio da “Donor Persona” e descobrir como motivar ainda mais pessoas semelhantes ao perfil a contribuírem.

A “Donor Persona” serve para mapear o modelo de doador a ser atraído. Para traçar esse perfil você pode propor questionários e entrevistas aos seus doadores já estabelecidos. Se não for ainda o seu caso, dá para fazer o mesmo com fãs do Facebook, colaboradores e quaisquer outros simpáticos com a sua ONG.

As perguntas do “teste” devem abarcar desde profissão, idade, gênero etc., até sonhos, dores, visão de mundo e hábitos de doação. Não se esqueça de perguntar também sobre canais de comunicação prediletos e o que mais o comove. Informações desse cunho são essenciais para desenvolver o próximo passo: uma estratégia nas mídias selecionadas, com linguagem e conteúdo adequados, direcionada a doadores em potencial que se encaixaram, mesmo que mais ou menos, no perfil estabelecido.

A ONG pode investir em anúncios de revistas, jornais, internet etc., mas o importante é que sejam direcionados àqueles perfis desenhados pela organização, ou seja: devem conter uma linguagem consonante com o alvo e um conteúdo impactante. Também é bacana pedir aos colaboradores que divulguem o trabalho social em suas redes sociais.

O Crowdfunding é uma ótima maneira de ligar as pontas entre as pessoas seduzidas pelo marketing e a doação. Em plataformas como a Kikcante, Benfeitoria ou Catarse os interessados na causa podem contribuir com qualquer valor, e as taxas administrativas variam de 10 a 20% do valor recebido.

Dentre as táticas mais conhecidas de abordar futuros doadores estão o “face-to-face” e o e-mail marketing. Se já caminhou bastante pelo centro da sua cidade, você possivelmente sabe o suficiente sobre a primeira: consiste em juntar colaboradores para pedir doações (e eventualmente e-mail e telefone de contato) de pessoas à rua.

A segunda tática é quando você já tem uma gama de e-mails de interessados em ajudar, e então os envia pedidos de doação ou colaboração.

Em ambas as abordagens, que empiricamente dão um bom retorno sobre o baixo custo, o importante é ser respeitoso com o interlocutor. Ainda, utilizar-se de storytelling com o retorno da eventual contribuição, por exemplo: “a família de João e Maria está passando necessidades […], para cada vinte e cinco reais doados eles se alimentam uma vez de forma adequada”, pode te surpreender o efeito.

Outra forma fácil de captar recursos de simpatizantes é por meio do Programa Nota Paraná. Basta que os beneficentes doem seus créditos e os bilhetes de suas notas fiscais (sem o número de CPF) à organização, que, por sua vez, precisa estar cadastrada no Programa para receber os benefícios e concorrer aos sorteios.

A dedução no Imposto de Renda de Pessoa Física, utilizando os instrumentos já propostos acima, pode ser de até 6% do imposto devido, e esse valor também poderá ser destinado à sua ONG.

Algumas ONGs contemplam os seus doadores com homenagens (nome da pessoa no site, fotos expostas em eventos etc.) e outras dão lembrancinhas em datas festivas, por exemplo. Porém, além dos relatórios financeiros discutidos anteriormente e feedbacks do andamento da ação social, o resto é opcional, pois muitas pessoas não esperam nada em troca quando doam.

Em quarto lugar, não me estendendo muito, pode-se contar com eventos, como jantares, festas, bazares etc., que, embora requeiram muitos voluntários e patrocinadores, são uma boa alternativa para custear os gastos, e, se bem articulado, além de integrar e celebrar a sua comunidade, eventos podem arrecadar bem, promover a sua ONG, te gerar novos contatos.

A venda de produtos, como canecas, camisetas e chaveiros, aos apoiadores, além de arrecadar dinheiro, pode estimular a sua ação social se os produtos forem confeccionados pela própria ONG, sendo que uma oficina de arte dentro da sua ONG pode fabricar os itens a serem vendidos.

Em quinto lugar, tem-se os convênios com as esferas do governo e órgãos públicos. Convênio vem de “conveniaire”, do latim, que significa “alcançar objetivo de interesse público”. As ONGs conveniadas que recebem subsídios do Estado contribuem para a efetivação de direitos sociais.

Só que essa alternativa, em razão de burocracia e exigências, é mais recomendável de se ir atrás quando ONG já estiver bem estabelecida. Os órgãos mencionados, de tempos em tempos, lançam editais com todas as especificidades de financiamentos de projetos sociais, fique atento e não perca a oportunidade.

Em sexto lugar, do Santuário de Aparecida a Heineken Brasil, a ONG SOS Mata Atlântica (voltada à preservação do bioma) tem vários parceiros para a efetivação de seus projetos sociais. A exemplo das fontes de recursos discutidas até agora, irei utilizar as informações contidas no Balanço Financeiro de 2017 da ONG:

Recursos vinculados (projetos) provêm de parcerias e convênios da ONG, o que representa cerca de 60% (R$ 13.982.000) do valor total captado e consequentemente são a maior fonte de recursos à ONG. A arrecadação com eventos, campanhas e empresas – não amarrados a nenhum projeto específico, representam 15% (R$ 3.500.000).

Responsáveis por 14% (R$ 3.236.000), as receitas financeiras são oriundas de aplicações em investimentos financeiros rentáveis. E a contribuição de filiados (pessoas físicas) representa algo em torno de 11% (R$ 2.690.000) – valor muito inferior ao recebido das pessoas jurídicas.

E, por último, se você bater um papo com qualquer especialista (nem precisa ser de fato um especialista) em investimentos ele vai te dizer categoricamente: diversifique!

E aqui a dica é a mesma: é muito melhor a ONG não depender exclusivamente de um doador ou daquela famigerada técnica passada de pai para filho. Então, igual fez a SOS Mata Atlântica, diversifique as suas fontes de recursos.

Gabriel Laurent
Estudante de economia na UFPR
Coordenador do Centro Acadêmico de Economia na UFPR e interessado em tudo quanto é assunto: desde macroeconomia e política a cinema e música