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Ativismo no Brasil: profissão de alto risco

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04 de junho de 2021

Raramente assisto documentários sobre a crise ambiental. Não sei bem se porque não é minha área de estudos ou se porque tenho um medo real da verdade que encontrarei ali. Entretanto, quando Seaspiracy foi lançado na Netflix, por algum motivo, imediatamente o adicionei à “minha lista” dentro do aplicativo.

Para além das minhas expectativas, o documentário de Ali Tabrizi me fez pensar de forma completamente diferente sobre como temos tratado o problema da poluição dos oceanos e o risco que corremos em ignorar a questão central da poluição e do “esvaziamento” insustentável gerado pela pesca industrial e, muitas vezes, ilegal.

Entretanto, não foi unicamente a problemática da pesca que me chamou atenção no documentário. Durante uma de suas investigações, Ali viaja até uma região ao sul do Japão conhecida como Taiji. Por lá, o que chama atenção, além da morte de dezenas de golfinhos diariamente, foi a forma como Ali foi perseguido pela polícia e como em diversos momentos da trama ele é alertado sobre os perigos de “chegar perto demais” dos grandes engravatados responsáveis pela manutenção desse sistema de exploração dos oceanos.

Vendo que Ali sofre com essa perseguição no Japão durante sua pesquisa para o documentário, e em diversos momentos é convidado a se retirar de empresas por querer uma simples entrevista, passei a me questionar sobre os perigos de exercer o ativismo no mundo, seja ele ambiental ou de qualquer outra vertente. Sendo assim, comecei minha pesquisa; e o que descobri foi alarmante.

O ATIVISMO

Em primeiro lugar, entender o que é o ativismo nos ajuda a dar um primeiro passo em direção à resposta de minha pergunta. Portanto, o ativismo é uma atividade que implica em ações engajadas na mudança da realidade material presente.

Nesse sentido, agir pode estar ligado às mais diversas causas, sendo as mais conhecidas: a questão ambiental, a causa indígena, a pauta racial, a feminista, a LGBTQIA+ e a em defesa dos animais.

O ativismo é geralmente desempenhado através da organização da sociedade civil em forma de partidos, coletivos, ONG’s e Organizações Internacionais, que facilitam o debate e a construção de um conjunto de ideais sobre determinado tema e a formação de grupos de pressão, manifestações, investigações, denúncias que proporcionem o alcance a essas ideias ou impeçam retrocessos, especialmente, governamentais em relação aos temas.

Não há segredo: é difícil acreditar que a indústria, a sociedade e o mundo, de forma geral, gerarão naturalmente mudanças em relação a essas pautas críticas. E é por isso que, para os ativistas, mostrar as incongruências desse sistema, denunciar ações ilegais de grupos ou governos e lutar ativamente por essa mudança se torna uma atividade essencial para efetivamente galgar alguma alteração na sociedade e em sua forma de enxergar determinada questão.

ATIVISMO NO BRASIL

O Brasil é o quarto país no mundo que mais mata ativistas de Direitos Humanos; em 2019 o país tirou a vida de pelo menos vinte e três deles. Vivemos no terceiro país do mundo que mais mata ativistas ambientais; em 2019, pelo menos vinte e quatro ativistas ambientais foram mortos e, destes, 10 eram indígenas.

Em 2021, um relatório da ONU levantou a morte de 174 ativistas de 2015 a 2019, fazendo com que o Brasil registre, proporcionalmente, uma morte de ativista a cada oito dias. Esse relatório aponta ainda para as possíveis altas taxas de subnotificação dessas mortes, confirmando, portanto, que o problema é ainda maior do que aparenta ser.

Pela visualização desses dados, não é difícil concluir que a situação dos ativistas no Brasil é seríssima, mas me interessa muito pensar no dizer “o Brasil é o país que mais mata”. Mas, o Brasil, esse ente superior sem rosto e nem crachá, não foi quem puxou o gatilho para alvejar Marielle Franco e Anderson Gomes com 13 disparos ou quem assassinou Zezico Rodrigues Guajajara, líder indígena da terra Araribóia.

Por trás dessas mortes existem pessoas, e acima delas existem ramos industriais que dependem de calar essas vozes para a expansão de seus negócios. No mundo, a indústria madeireira, de mineração e o agronegócio são os três ramos de exploração responsáveis pela maior parte das mortes dos ativistas ambientais, o que eles têm em comum? a) A necessidade de expandir cada vez mais suas áreas de atuação à busca do aumento da atividade e, por consequência, das taxas de lucro; b) serem atividades de alta lucratividade e importância para o PIB dos países em desenvolvimento como o nosso e, por isso, serem constantemente protegidas pelas autoridades competente, c) serem atividades conhecidas por agirem na ilegalidade em diversos momentos.


Foto: Katie Mähler / Cobertura Colaborativa Mídia Ninja

O método utilizado para calar as vozes que podem colocar em risco a lucratividade ou a expansão das atividades industriais, por sua vez, varia. Desde a morte por arma de fogo, como aconteceu com Aluísio Sampaio dos Santos, líder sindical dos trabalhadores da agricultura familiar no Pará até a morte de Paulo Sérgio Almeida Nascimento, líder comunitário no Pará, o qual foi alvejado do lado de fora de sua casa.

Outro método, ainda, é a tortura, cujos sinais foram encontrados nos corpos do casal Dilma Ferreira da Silva e Claudionor Costa da Silva, fortes atuantes na proteção dos atingidos pela construção da usina hidrelétrica de Tucuruí.

O Estado também tem implicação direta na morte de ativistas. Dez trabalhadores rurais foram mortos pela polícia em 2017, no que ficou conhecida como a chacina do “Pau D’arco”, e, mesmo nas vezes em que as instituições brasileiras não estão diretamente envolvidas na morte desses ativistas, compartilha da responsabilidade pela falta de proteção e desdém ao trabalho de quem luta contra as injustiças sociais.

Nem só de morte se faz silenciar as vozes potentes do ativismo brasileiro. Prisões, torturas, ameaças e invasões são constantemente noticiadas na mídia independente do país. Recentemente, Thiago Ávila, ativista dos direitos humanos e ambientais, foi preso no Distrito Federal, a mando do governador Ibaneis Rocha, por resistir, junto ao grupo de moradores, ao despejo de 38 famílias de catadores.

Importante lembrar que os despejos foram proibidos por lei durante a pandemia, já que retirar essas pessoas de suas moradias as coloca em situação de ainda maior vulnerabilidade.
Na Bahia, em 2019, 53 líderes indígenas participavam de um programa de proteção por estarem ameaçados de morte, na maior parte dos casos, em razão de disputas de terras com latifundiários e grileiros.

Atuar em prol do meio ambiente é urgente, precisamos de autoridades realmente engajadas em proteger e dar voz aos ativistas através de políticas públicas e, principalmente, eleger pessoas que estejam dispostas a enfrentar a questão ambiental desde o dia 1º.

Para além da questão ambiental, o aumento das mortes de ameaças a ativistas das pautas sociais como LGBTQIA+, feminista e antirracista parecem demonstrar ainda mais que o Brasil, por vezes, anda para trás. Essas pautas são constantemente desmerecidas pelas autoridades nacionais porque ameaçam os valores de uma suposta (e a mim desconhecida) família tradicional brasileira, já que “colocam em risco” a posição de superioridade do homem branco heterossexual. Mas por quê?

Marielle Franco, uma das potentes vozes já citadas nesse artigo, compilava em si e em sua existência esses três maiores segmentos da luta social: era uma mulher feminista, preta e homossexual. Sua morte não foi por acaso, assim como tantas outras mortes de pessoas, em razão de serem quem eram, também não foram por acaso.

Os crimes de ódio contra a população LGBTQIA+, bem como os feminicídios, têm números crescentes ano a ano e assustam quem faz parte desses grupos. Sobre a pauta racial, depois da morte de George Floyd nos Estados Unidos, explodiu a bomba de que, para muitas das pessoas brancas, era facilmente varrida para baixo do tapete dos nossos privilégios.

O Estado mata pessoas pretas deliberadamente, elas não são bem-vindas em espaços de poder e são, diariamente, diminuídas e vistas como incapazes.
O racismo mata. A homofobia mata. A misoginia mata. É tempo de agir.

ATIVISMO E O STATUS DA DEMOCRACIA NO BRASIL


Foto: Conectas Direitos Humanos/ Reprodução

“Vamos botar um ponto final em todos os ativismos do Brasil” dizia Jair Bolsonaro após o primeiro turno das eleições presidenciais de 2018. O presidente eleito não brincava ao dizer isso. Rodrigo Pilha, o ativista político que estendeu uma faixa com a inscrição “Bolsonaro Genocida” na praça dos três poderes no Distrito Federal, foi preso com base na Lei de Segurança Nacional. Pilha afirma ter sido espancado e ter sido chamado de “vagabundo petista” pelos agentes penitenciários.

O Brasil é o sexto país do mundo mais perigoso para jornalistas e em 2021 caiu quatro posições no ranking de liberdade de imprensa, alcançando agora a posição 111ª, segundo a Liberdade de Imprensa da organização Repórteres Sem Fronteiras.

Essas constatações demonstram que, para além do problema do ativismo propriamente dito, o Brasil sofre com um problema profundo em sua democracia.
A grande questão é que uma democracia saudável compreende críticas, perguntas espinhosas dos jornalistas, matérias que denunciam erros e ilegalidades das autoridades, enquanto, no Brasil, isso parece ser cada vez mais utópico.

Não é incomum que assistamos a vídeos ou leiamos notícias do presidente xingando, depreciando jornalistas (geralmente mulheres) ou deixando entrevistas coletivas abruptamente quando perguntado sobre seu envolvimento ou de seus filhos em alguma crítica levantada pela mídia.

Esse desdém se reflete na queda de posições do Brasil no ranking mundial de liberdade de imprensa e nos faz acreditar que além de não poder agir contra nenhum dos problemas do país com risco de ser morto, você agora também não pode denunciar.

Nos discursos da política atual, a tentativa de justificar a estagnação econômica, a falta de políticas públicas efetivas para os problemas da distribuição de renda e de terras está toda embasada na ideia de que “você não ganha mais porque, infelizmente, estamos tendo que dar vantagens às minorias”. Além disso, parece dizer que se o povo (é claro que, nesse caso, o povo se resume aos apoiadores) não quer dar nenhum tipo de proteção às minorias, então dá-las seria antidemocrático.

É essencial compreender que a democracia e o ativismo andam de mãos dadas porque um é sintoma da saúde do outro, bem como que os problemas que vivemos hoje, e que temos urgência em solucionar, vão muito além do que a política está disposta a fazer nos moldes atuais. Precisamos repensar e reformar a maneira como compreendemos as críticas ao Estado, à democracia e aos governantes, não como forma de destruí-los, mas de melhorá-los e torná-los mais justos e inclusivos para todos.

Para que os problemas do século XXI sejam resolvidos serão necessários muitos e muitos mais ativistas, jornalistas, assim como será preciso muito mais da sociedade civil engajada em transformar a realidade material, para que seja possibilitado a todos que tenham as mesmas oportunidades, os mesmos acessos e o mesmo número de posições de poder. Isso depende de luta e luta é ativismo.

Mas se o ativismo no Brasil se traduz em morte e ameaça, o que podemos fazer? Para começar, devemos usar do poder que nos resta e imposto pela democracia para eleger políticos comprometidos com as pautas distributivas e exigir dos que já estão no poder que nos protejam e nos permitam, junto a eles, a criação de um novo horizonte de possibilidades.
Mas se o ativismo no Brasil se traduz em morte e ameaça, o que podemos fazer? Para começar, devemos usar do poder que nos resta e imposto pela democracia para eleger políticos comprometidos com as pautas distributivas e exigir dos que já estão no poder que nos protejam e nos permitam, junto a eles, a criação de um novo horizonte de possibilidades.

Alinne Ross
Redatora do blog Diário das Nações
Bacharel em Relações Internacionais pelo UNICURITIBA e atualmente pós-graduanda em História e Relações Internacionais pela PUC-PR. É redatora voluntária de política internacional para o blog Diário das Nações e editora-chefe da revista O Diário. Além disso, é pesquisadora nos temas de extremismos político e religioso e entusiasta da absorção de temas da psicologia para aumentar a efetividade das análises de conjuntura nas Relações Internacionais.