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Antirracismo: nossas chances de consertar os desencontros do passado.

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02 de setembro de 2021

No Brasil, é irrefutável a existência do racismo e de suas consequências para as pessoas negras. Porém, ainda é possível e comum que pessoas brancas neguem sua branquitude e o lugar de poder e de vantagem estrutural que a cor de sua pele lhes concede.

O mito da democracia racial, ou seja, a crença de que não existe hierarquização entre as raças, pode ser entendido como uma interpretação do racismo. Gilberto Freyre é conhecido como o fundador deste conceito, mas existem outras contribuições justificadas na própria ideia de democracia racial para essa construção ideológica. Elas perpetuam e difundem a ideia da mestiçagem do povo brasileiro, dando aval para perseguições e preconceitos como se todos fossem iguais e tivessem as mesmas oportunidades, já que o brasileiro é o resultado da mistura de raças.

O antropólogo Kabengele Munanga afirmou que “a grande explicação para essa dificuldade que os movimentos negros encontram e terão de encontrar, talvez por muito tempo, não está na sua incapacidade de natureza discursiva, organizacional ou outra. Está, sim, nos fundamentos da ideologia racial elaborada a partir do fim do século XIX a meados do século XX pela elite brasileira. Essa ideologia, caracterizada entre outros pelo ideário do branqueamento, roubou dos movimentos negros o ditado ‘a união faz a força’ ao dividir negros e mestiços e ao alienar o processo de identidade de ambos.”. Ou seja, estamos colhendo ainda hoje os frutos históricos da colonização em nosso país.

Isso é expresso em nossa sociedade de muitas maneiras, mas um retrato que evidencia essa característica de modo simples é a porcentagem de deputados federais eleitos no período de 2016 a 2018, por exemplo: 75,6% deles eram brancos e apenas 24,4% eram negros (IBGE, 2018). Ou então, como explicitou uma matéria do portal G1, segundo o levantamento da Vagas.com, os negros ocupam em sua maioria posições operacionais (47,6% do total da população negra) e técnicas (11,4%). Silvio Almeida, professor e filósofo, afirma que “o racismo se expressa concretamente como desigualdade política, econômica e jurídica”. Assim, infere-se que a população negra, impedida de chegar a posições de poder, teria maior dificuldade para gerar novas políticas públicas que garantam uma sociedade mais igualitária.

Apesar de somarem mais de 50% dos brasileiros (IBGE, 2019), os negros têm menos acesso à escola, representam os maiores índices de pobreza, são os maiores números de assassinados e mortos em confrontos policiais e representam a maioria da população carcerária. Além disso, também têm representatividade baixa no âmbito dos três poderes (executivo, legislativo e judiciário).

Uma pesquisa emblemática, realizada pelo Datafolha em 1995, demonstrou que apesar de 89% dos brasileiros dizerem haver racismo no Brasil, 90% não se consideram racistas. De forma indireta, 87% revelaram-se racistas ao pronunciar ou concordar com enunciados preconceituosos, ou ao admitir comportamentos discriminatórios em relação a negros.
O teórico considerado pai do termo branquitude no Brasil, Lourenço Cardoso, a define como sendo: “A pertença étnico-racial atribuída ao branco”. Pode-se entendê-la como o lugar mais elevado da hierarquia racial, um poder de classificar os outros como não-brancos, colocando-os, assim, como inferiores aos brancos. Ser branco se expressa na corporeidade, isto é, a brancura, e vai além do fenótipo. Ser branco consiste em ser proprietário de vantagens/privilégios raciais simbólicos e materiais”.

Portanto, sem a conscientização e a compreensão da definição de branquitude e dos seus desdobramentos hierárquicos, freia-se o avanço no combate ao racismo. A população branca, que é a que ocupa, atualmente, o maior número de cargos de alto e médio escalão, deveria ter maior acesso a informações que explicitem seu papel como perpetuadora do racismo institucional e estrutural para que, assim, possa agir de maneira a combater o racismo em níveis cada vez mais altos.

Alguns tabus e inseguranças acerca deste tema impedem que mais pessoas brancas se unam à causa e se tornem antirracistas. Pensando nisso, de maneira a facilitar e desmistificar o aprendizado sobre branquitude e as pautas raciais que envolvem o negro no Brasil, criamos o portal Você não tem carta branca. Considerando o baixíssimo comprometimento de pessoas brancas, como nós, em ações antirracistas, a iniciativa propõe um caminho inicial de conhecimento sobre o tema.

Acreditamos que é necessário olhar a história brasileira por outro ângulo, refletindo sobre as origens do racismo e não só suas consequências. Assumir nossa responsabilidade cidadã, enquanto pessoas brancas, nos impulsiona a transformar coletivamente as relações estruturais que construímos com os indivíduos e a sociedade. No site, é proposto um diálogo consciente, baseado em informações verificadas e confiáveis.

O portal contém um percurso de aprendizado com cinco etapas sobre conceitos raciais destinados a pessoas brancas, com materiais como textos, músicas, podcast, vídeos e referenciais relacionados à pauta.

Na primeira etapa, explicitamos o começo da ideia de raça. Você já se perguntou quem inventou esse termo e a classificação das pessoas com base na cor? Mostramos como isso chegou no Brasil e o porquê da importância de revisitarmos esse aprendizado.

Na fase dois, falamos sobre dados e números que funcionam como provas de que o racismo ainda existe. E mesmo que você não acredite nisso ou encare a espécie humana como “uma só”, ainda tem gente preta morrendo mais, sendo presa com mais frequência e tendo menos condições de se desenvolver econômica e socialmente.

Na terceira etapa, selecionamos notícias e acontecimentos que mostram a relação da pessoa branca com toda a estrutura racista em que vivemos e mantemos. Te apresentamos coisas que possivelmente você já tenha ouvido falar, mas que não se dispôs a parar para refletir sobre.

A quarta etapa talvez seja a mais importante para você, pessoa branca que deseja entender melhor sua posição da pauta antirracista. Explicamos alguns termos que refletem o poder da branquitude em se privilegiar, se eximir, se promover, enfim… Ela te mostra que você tem muitos compromissos e responsabilidades perante o passado e ao futuro.

Na última fase, mostramos algumas possibilidades de ação, práticas que podem e devem ser adotadas no dia a dia e novos caminhos a serem seguidos, buscando um mundo menos desigual.

Depois de ler as etapas de aprendizado, a ideia é que o leitor possa acessar o Banco de Referências do site e mudar seus hábitos de consumo, procurar novas fontes de informação desconhecidas e até mesmo reconhecer artistas ou profissionais que já consumia, mas não reconhecia a cor da sua pele. O banco é completo e tem opções para ver e ouvir, para ler e para assistir.

Durante todo o processo de aprendizado, ainda podem ser encontrados materiais gráficos que resumem e explicam abordagens específicas, entre eles gráficos sobre dados de participação social, índices demográficos e comparações entre população negra versus população branca; colagens para estimular o aprendizado e a interpretação e uma cartilha com vocabulários racistas para serem deixados de lado.

Sendo assim, o #vocênãotemcartabranca é um convite para sair da zona de conforto e perceber nossas atitudes no cotidiano, mesmo que seja um processo desagradável. A ideia é motivar a autoanálise e o debate sobre branquitude em espaços de aprendizagem coletiva.

Entendemos que a branquitude ocupa um papel – talvez invisível num primeiro momento – no funcionamento da sociedade e que, apesar disso, não é trabalhada ou compreendida por aqueles que deveriam entendê-la enquanto seus próprios constituintes. Acreditamos que, através da comunicação, é possível levar para dentro de diferentes espaços o debate sobre o tema e, como consequência, promover um despertar de novos pontos de vista por meio de uma linguagem acessível, coerente e consistente.

Refletindo isso, surgiram ao longo dos séculos (sim, dos séculos!) movimentos sociais que incentivam o empoderamento negro e a redução dos prejuízos causados pelos brancos. No Brasil, temos, por o exemplo, o Movimento Negro Unificado (MNU), na FreeHelper, apoiamos ONGs que atuam no mesmo sentido dessa via, como a Crespinhos no Poder, Reverbera e Centro Cultural Afro Piabetá.

Você pode acessar o site dessas instituições e conhecer mais sobre o trabalho que executam. Ou, para contribuir ainda mais, pode se cadastrar aqui no site da FreeHelper e aguardar uma oportunidade para se conectar com alguma ação voluntária.

Agora que você sabe que faz parte do problema, faça a diferença!

Amanda Lessnau; Maísa Barbosa; Giulia Gaio
Projeto
Estudantes de Comunicação Organizacional pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná.