25 de junho de 2020
Os movimentos em busca de igualdade racial impulsionados recentemente pelos protestos que aconteceram nos Estados Unidos, após a morte de George Floyd, causada por um ato de abuso de poder e violência policial, reacenderam discussões importantes sobre a questão racial ao redor do mundo.
Aqui no Brasil, assim como no restante do planeta, a questão do preconceito contra pessoas negras tange diversos aspectos da sociedade, desde o acesso à educação, saneamento e moradia de qualidade até ao mercado de trabalho.
Para começar a abordar a questão das pessoas negras no mercado de trabalho, focando aqui especialmente nas mulheres, gostaria de te levar a questionar o seguinte: quantas pessoas negras estão empregadas na sua empresa? Qual o cargo que elas ocupam? Quantas são mulheres? Você costuma se relacionar com essas pessoas? Você acredita que o acesso a esta oportunidade de trabalho foi tão fácil para ela quanto foi para você?
Segundo indicadores apresentados pelo portal Retratos das Desigualdades de Gênero e Raça do IPEA, no ano de 2015 cerca de 9,6% dos brasileiros acima de 10 anos de idade se encontravam desocupados. Ao comparar a taxa de desocupação entre a parcela da população branca e a parcela negra, vemos o primeiro indicativo de desigualdade social nesse quesito: a taxa de desocupação para a população branca foi de 8,3% enquanto para a população negra foi de 10,8%, considerando o mesmo período.
Observando os dados detalhados por gênero também pode ser identificado outro grande indicativo de desigualdade social: entre a população de sexo masculino, 8% encontravam-se desocupados, contra 11,8% entre a população de sexo feminino, durante o mesmo período. Aprofundando ainda mais na análise destes indicativos, vê-se que a taxa de desocupação para mulheres brancas foi de 9,8%, sendo 13,6% para mulheres negras – a maior taxa de desocupação dentre as populações avaliadas aqui.
Ao levar em consideração as mulheres brancas e negras em situação de ocupação no Brasil, também é possível observar uma grande diferença entre os tipos de ocupação que evidenciam ainda mais a situação de desigualdade social das mulheres negras no Brasil. Ainda de acordo com o portal Retratos das Desigualdades de Gênero e Raça do IPEA, 18% das mulheres negras ocupadas acima de 16 anos no Brasil em 2015 trabalhavam como empregadas domésticas. Para as mulheres brancas na mesma condição essa parcela foi de 10,3%. As mulheres negras também representaram a maior parcela para empregos sem carteira assinada, trabalhadoras por “conta própria” e outros (podendo considerar aqui a parcela de subempregos e outros tipos de ocupação fora do regime CLT ou de contrato). Enquanto isso, as mulheres brancas representaram a maior parcela dentro do contexto de mulheres empregadas com carteira assinada, funcionárias públicas/militares e empregadoras, como é possível observar na tabela abaixo:
Fonte: IPEA – Retratos das Desigualdades de Gênero e Raça (http://ipea.gov.br/retrato/mapa.html) – Adaptado*
Os dados obtidos pelo IBGE por meio da PNAD Contínua parecem, de certa forma, embasar os motivos para essa desigualdade entre brancos e negros no mercado de trabalho, já que os negros e pardos demonstram ser a maioria entre os analfabetos e entre os estudantes da modalidade de Educação para Jovens e Adultos (EJA), o que evidencia a desigualdade no acesso à educação de qualidade para essa parcela da população, associada a fatores socioeconômicos que a levam a precisar começar a trabalhar cedo e muitas vezes abandonar os estudos.
Segundo a PNADC de 2019, a taxa de analfabetismo para a população acima de 15 anos no Brasil ficou em 9,1% considerando a população preta ou parda, enquanto para a população branca essa taxa foi de 3,9%. Dentre os alunos da modalidade de Educação para Jovens e Adultos (EJA) para o ensino fundamental, 73,7% eram pretos ou pardos. Na modalidade EJA para o ensino médio, 65,7% eram pretos ou pardos.
Os indicadores sociais e educacionais da população brasileira confirmam uma realidade de ampla desigualdade para a população negra no Brasil, advinda de um processo histórico de exclusão social e falta de políticas públicas adequadas, que se refletem fortemente na realidade das mulheres negras no mercado de trabalho.
A falta de acesso a uma educação de qualidade, a conhecimentos básicos como língua inglesa e informática e as dificuldades para o alcance do ensino superior levam muitas mulheres negras a conseguirem apenas vagas de emprego que exigem menor qualificação. A realidade demonstra também que, mesmo quando há acesso a estes conhecimentos básicos e às vagas de emprego formal que exigem qualificação, as mulheres negras precisam se destacar muito mais dentro do ambiente de trabalho, além de passarem muitas vezes por situações de preconceito e discriminação racial.
Durante o I Espaço de Formação Antirracista na Academia – Pela Voz de Quem Vive, evento realizado por acadêmicos do curso de medicina da Faculdade Pequeno Príncipe, muitas alunas pretas e pardas acadêmicas de medicina ao redor do país relataram situações de preconceito escancarado e velado, e afirmaram, ainda, que este tipo de situação afeta a autoestima e autoconfiança dentro do ambiente de trabalho. O principal problema indicado por estas alunas foi o fato de elas, por serem negras, serem sempre associadas a posições de trabalho consideradas inferiores, devido à mentalidade retrógrada da sociedade brasileira que diz que mulheres negras não podem ocupar espaços e cargos de poder.
Por óbvio, este não é um problema encontrado apenas no contexto dos estudantes de medicina e trabalhadores da área da saúde, mas reflete a realidade do país que é ainda mais escancarada no âmbito de um dos cursos mais elitistas do país. Esta mesma realidade se repete em espaços acadêmicos, escritórios e demais espaços do mercado de trabalho.
Para lidar com este problema são necessárias políticas públicas voltadas à educação e ao acesso e manutenção das mulheres negras no mercado de trabalho. Elevar os níveis de instrução e qualificação de jovens negras é uma forma de combater a expressiva desigualdade educacional brasileira. Além disso, especialmente em um contexto econômico desfavorável, elevar a escolaridade de jovens negras, ampliando sua qualificação, pode facilitar sua inserção no mercado de trabalho, reduzir empregos de baixa qualidade e a alta rotatividade.
Vale ressaltar aqui, porém, que apenas inserir as mulheres negras no mercado não é o suficiente. É preciso garantir que essas mulheres possam prevalecer dentro da hierarquia dos espaços de trabalho, sendo submetidas à posição de gestão e liderança, bem como a oportunidades de promoção, de maneira igualitária em relação aos homens e às mulheres brancas. Somente assim será possível que as mulheres negras alcancem e garantam perpetuidade de maior igualdade racial e de gênero dentro do mercado de trabalho, garantindo também maior diversidade dentro do contexto das empresas.
O esforço pelo empoderamento de mulheres negras dentro do mercado de trabalho conjectura dispender esforço em prol de vários Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ao mesmo tempo, pois envolve o desenvolvimento e a aplicação de políticas públicas relacionadas ao Objetivo 4 – Educação de Qualidade -, o qual pressupõe a necessidade de garantir a educação inclusiva e equitativa de qualidade, bem como a promoção de oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para mulheres negras.
Além do Objetivo 4, outros também acabam por interligados. São eles: o Objetivo 10 – Redução das Desigualdades, o 5 – Igualdade de Gênero (o qual busca trabalhar aspectos relacionados à equiparação salarial entre mulheres e homens no ambiente de trabalho), o 8- Trabalho Decente e Crescimento Econômico (que tem como foco garantir às mulheres negras o espaço no mercado de trabalho formal e a ocupação de posições de liderança e destaque dentro das empresas) e também o 1ª Objetivo – Erradicação da Pobreza-, uma vez que mulheres pretas e pardas são maioria dentre os brasileiros em situação de pobreza devido a diversos fatores relacionados à questão do acesso à educação, ao mercado de trabalho e a condições socioeconômicas de maneira geral.
Trabalhar para que mulheres negras estejam presentes no mercado de trabalho formal significa trabalhar para que a Agenda 2030, proposta pela ONU em 2015, seja cumprida efetivamente e para que possamos ter um Brasil mais justo e igualitário, sem deixar ninguém para trás.
Texto escrito em parceria com Youth Action Hubs