02 de dezembro de 2021.
“Eu discordo do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-las”, Evelyn Beatrice Hall
Pode não ser o papo mais confortável, mas ele precisa existir. Não dá mais para a gente viver com a máxima de que determinados temas não podem ser colocados sobre a mesa durante um jantar de família ou na rodinha dos colegas de trabalho.
Tenho para mim que a pessoa que chegou com esta ideia de forma alguma estava preocupada em manter o bem-estar social e evitar o caos que se instala quando as opiniões divergem. Penso que a preocupação maior era: “Como controlar um bando de gente pensante?”
Conheci, em março ou abril, não me lembro exatamente, o Politize, um projeto que mudou a minha vida e a minha percepção sobre a construção de uma sociedade mais igualitária e verdadeiramente democrática.
A organização da sociedade civil tem atuado na formação de cidadãos comprometidos com a democracia, levando educação política para diferentes pessoas e em diferentes lugares deste Brasilzão à fora.
Com aulas semanais, durante um período de aproximadamente cinco meses e o desenvolvimento de uma política pública ao fim do curso, o programa reúne em um mesmo ambiente – virtual neste momento - um público plural, com diversidade de idade, gênero, classe social e com as mais variadas experiências de vida.
Para o coordenador do programa em Curitiba, Matheus Gomide, o Politize tem papel fundamental da democratização do ensino e da educação política.
“A democratização acontece quando igual conseguem discutir. É muito fácil termos uma carga de educação desde a infância e podermos discutir. Democratizar o ensino e a educação política para que ela chegue em todos os cantos e possa ser discutida de forma igual é o ponto mais importante”, explica Matheus que destaca o módulo de Comunicação Não Violenta como método para conversar sobre todas as coisas.
“Por que não discutir política, por que não entender o contexto social? É muito importante debater para que a gente cresça, para que a gente entenda o outro lado e que há pessoas com opiniões diferentes. E, se a gente não debater, não vamos chegar a esta conclusão. Vamos viver achando que a nossa verdade é a absoluta”, finaliza o coordenador da Embaixada Politize em Curitiba.
Neste ano, a organização ganhou um dos troféus do Prêmio de Inovação Intercultural do BMW Group e da Aliança de Civilização das Nações Unidas, na Semana de Tolerância e Inclusão em Dubai.
Iniciativas educacionais como esta deveriam partir do Estado, mas não é este o filme que temos assistido. A promoção de debates saudáveis e a educação política têm partido, antes de tudo, de grupos independentes que se mostram preocupados com os rumos do nosso país.
Recentemente, um estudo feito International IDEA, mostrou que o Brasil tem passado por um retrocesso democrático, ao lado da Índia, da Hungria, da Polônia e da Eslovênia.
Defender a democracia implica em compreender o valor constitucional da liberdade de expressão, mesmo quando as opiniões são conflitantes.
Este direito fundamental não se aplica apenas quando a linha de raciocínio é convencional. Por mais difícil que seja, declarações duvidáveis, exageradas e errôneas estão resguardadas, sob posterior responsabilização a aplicação da Lei.
Fato é que, de tanto reprimirmos o diálogo sobre assuntos que estão presentes em nosso dia a dia, construímos uma sociedade intolerante e irresponsável. Estamos rodeados de pessoas que, ao menor sinal de conforto, abrem a boca e soltam o verbo, fazendo a gente se questionar sobre o tipo de gente que está à volta. Nos últimos anos, em especial, parece que os ignorantes saíram de todos os buracos. É gente que não acaba mais. Pior do que isso, é gente que se orgulha da opinião homofóbica, da piada racista e a da misoginia travestida de liberdade de expressão.
Gente que se esconde atrás de uma tela preta, de um perfil fake, e que, através de um aparelho que está na palma da mão, destila o ódio e o desrespeito.
Ainda não chegamos ao fundo do poço, mas estamos perto. A boa notícia, no meio deste caos em que vivemos, é que existe uma possível solução.
É preciso colocar as cartas da mesa, debater, conversar e educar as pessoas. É urgente a necessidade de falar sobre política, sobre religiões, sobre futebol, sexo, sexualidade, meritocracia, meio ambiente, depressão, suicídio, violência, racismo, abusos e sobre a infinidade de problemas sociais que surgem quando fazemos vista grossa para a pluralidade do mundo em que vivemos.
Mudar a forma como lidamos com o diferente não é fácil. É um processo que exige disposição para entender que não sabemos tudo, que não temos todas as respostas e que a bolha em que vivemos não dita e não pode ditar as regras de uma sociedade.
Há menos de um ano das eleições, faz-se urgente que o diálogo seja reestabelecido. Faz parte do Estado Democrático de Direito o respeito ao jogo democrático, o que inclui o respeito às Instituições e à individualidade de cada pessoa.