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O dilema do ESG nos investimentos

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27 de maio de 2021

Nos últimos dois anos, vivemos a era do ESG (em português: meio-ambiente, social e governança) nos investimentos e nas empresas. Apesar de se tratar de um tema antigo, a sigla ESG se tornou amplamente conhecida apenas agora.

Basicamente, ela se refere aos principais fatores que devem ser levados em consideração quando se mede o índice de sustentabilidade e impacto social de determinada empresa, servindo como uma espécie de “selo de qualidade”, uma vez que mostra como a empresa se posiciona em relação a esses importantes indicadores. Mas será que mostra mesmo?

Com a difusão do termo, muitos gestores de investimentos e empresas passaram “a se considerar” ESG, estampando orgulhosamente o conceito em seus sites, propagandas e apresentações, fazendo-se valer dessas três letras como forma de atraírem mais clientes e se posicionarem de forma “consciente” no mercado. Porém, uma vez que ESG não engloba princípios práticos que devem ser seguidos para que a empresa possa se considerar “sustentável”, diferente de outros certificados como o de B Corporation, por exemplo, fica a critério da própria empresa se identificar ou não como ESG.

Contratação baseada em mérito, sem preferência de gênero e raça, estar de acordo com as leis trabalhistas e fiscais vigentes e investir ou atuar em setores com algum viés de impacto social são alguns exemplos de iniciativas divulgadas por algumas empresas e gestores de investimento que por isso se consideram “ESG”.

Primeiramente, a contratação baseada em mérito e agir de acordo com a legislação nada mais são do que obrigações de qualquer empresa. E é aqui que se confundem: empresas que não faziam o mínimo passaram a fazer mais com receio do escrutínio do mercado e, por isso, agora se julgam responsáveis sociais. Ou pior, utilizam-se de uma falsa aparência de sustentabilidade, com afirmações vagas, não comprovadas e irrelevantes para convencer seus clientes de seu, suposto, posicionamento verde no mercado – termo esse que ficou conhecido como greenwashing.

Em economias emergentes como o Brasil, mas também em todo o mundo, os setores com mais oportunidades são os que têm algum viés de impacto social. Basta você se perguntar: quais setores não causam nenhum impacto social? Talvez uma petroleira? Mas até para empresas deste perfil é possível argumentar que por estarem gerando empregos devem ser consideradas agentes de impacto. Praticamente todos os setores da economia possuem algum viés de transformação social: tecnologia, saúde, educação, infraestrutura etc. São todos setores tomados por empresas que estão tentando resolver alguma dor da população, ou, ao menos, de uma parte dela.

É a solução dessa dor da população que fará com que a empresa atraia clientes e cresça e, consequentemente, gere lucro. Porém, será mesmo que o simples fato de a empresa atuar ou investir nos setores mais aquecidos da economia, e, por isso, mais lucrativos, faz dela uma “empresa ESG”?

Eu acho que não. Apesar de já existirem diversas métricas para mensurar os indicadores ambientais e sociais de determinada empresa, o termo ainda é bastante vago e pode ser utilizado em diversas situações, ficando a critério da própria empresa definir suas métricas de avaliação e os indicadores que irá divulgar.

Porém, ao analisar ou comparar empresas, é importante perceber que os indicadores avaliados devem ser adaptados de acordo com o setor de cada organização. Por exemplo, não faz sentido se comparar a emissão de gases do efeito estufa de uma instituição financeira a uma empresa fabricante de papel e celulose. Uma vez que, logicamente, as emissões da primeira serão muito inferiores à segunda. Dessa forma, o fato de determinada companhia possuir baixos indicadores de poluição, por exemplo, pode não conter nenhuma relação direta com as políticas ESG da empresa, mas, sim, com o seu setor de atuação e características inerentes do próprio negócio.

Vale mencionar a M&A na Prática, uma escola parceira da FreeHelper que se destacou com relação ao tema ESG no seu setor de atuação. A escola funciona como uma plataforma que fornece cursos online profissionalizantes em finanças corporativas a um preço bastante inferior se comparado às instituições tradicionais. Apenas até aí, a M&A na Prática já poderia ser considerada como uma causadora de impacto social. Mas ela foi além: a escola realmente quis causar impacto e para isso passou a fornecer diversas bolsas para alunos de baixa renda que sonham em ingressar no mercado financeiro.

Esse é o verdadeiro impacto: desenvolver uma iniciativa pautada no impacto positivo à sociedade, renunciando a uma parte, mesmo que pequena, do lucro para gerar transformação social. É isso que precisa ser incentivado por nós.

É claro que as empresas precisam e devem gerar lucros, e isso, por si só, tende a trazer retornos positivos à sociedade como um todo, seja gerando empregos, seja resolvendo uma dor da população, ou, ainda, apenas pagando impostos que serão revertidos para a sociedade (ou pelo menos que deveriam). Porém, para serem consideradas e se posicionarem como ESG, as empresas devem ir além.

Alguns exemplos de como uma empresa pode ir além pelo conceito ESG:

E (Meio ambiente): controle de emissão de gases do efeito estufa; gerenciamento de inciativas de gestão de lixo e reciclagem eficiente; utilização de energia provenientes de fontes renováveis etc.

S (Social): gerenciamento de iniciativas que busquem diversidade de raças e gêneros nas contratações; investimento em treinamento e desenvolvimento dos funcionários; ações de engajamento com a comunidade e com a sociedade em geral etc.

G (Governança): implementação de políticas de combate à corrupção e riscos empresariais; disponibilização de informações de forma transparente para o publico em geral; inclusão de diversidade nos membros do conselho de administração etc.

Em 1943, Robert Wood Johnson, membro da família fundadora da Johnson & Johnson, empresa atualmente avaliada em mais de 2 trilhões de reais, disse:

“Nós acreditamos que nossa primeira responsabilidade é com nossos clientes, depois, somos responsáveis por todas as pessoas que trabalham conosco ao redor do mundo, também, somos responsáveis pelas comunidades nas quais vivemos e trabalhamos, e por fim, a nossa responsabilidade é com os nossos acionistas. E quando operamos baseado nesses princípios, todos os stakeholders deveram receber um valor justo”.

Robert foi um dos pioneiros a diferenciar shareholders de stakeholders. O primeiro termo se refere aos acionistas da empresa, colocando a geração de lucro como o principal objetivo da empresa. Enquanto o segundo leva em consideração, além dos acionistas, todos os demais agentes envolvidos: clientes, funcionários, fornecedores, comunidade etc. Ironicamente, a história prova que as empresas que se perpetuaram e alcançaram alguma posição de relevância em seus setores foram justamente as que buscaram o lucro de forma sustentável, impactando todos os stakeholders.

Hoje a história é diferente e o grande lema das empresas modernas é “cliente em primeiro lugar”. Mas o que isso significa e como isso se relaciona com o conceito de ESG? Em um mercado extremamente competitivo como o que temos hoje, colocar o cliente em primeiro lugar e fornecer a melhor experiência possível é a única forma de uma empresa conseguir crescer e se perpetuar. O mesmo vale para os funcionários: prover um bom ambiente de trabalho com remuneração justa é essencial para que a empresa consiga atrair e reter talentos em um mercado com excesso de oportunidades para pessoas bem capacitadas. Porém, como ficam as não tão bem qualificadas?

Ser ESG deveria ser ir além. E isso significa não apenas fornecer um bom ambiente de trabalho, mas desenvolver, também, iniciativas que maximizem a transformação e o impacto social.

Ao contratar um novo funcionário, a decisão mais racional é buscar por candidatos mais bem capacitados, fazendo com que as novas contratações sejam baseadas em mérito. Essa decisão faz sentido se olharmos sob a ótica do shareholder. Porém, quando a empresa se posiciona como ESG, ou seja, afirma possuir consciência social e ambiental, ela precisa considerar todos os agentes envolvidos, e não apenas os sócios.

A premissa de analisar unicamente uma prova ou um resultado específico para comparar pessoas de contextos diferentes está pautada na meritocracia. Mas faz sentido considerarmos a meritocracia em um país que viveu quase 400 anos de escravidão? Ela funcionaria em uma sociedade com igualdade em oportunidades, onde todos nascem nas mesmas condições e têm acesso aos mesmos lugares, algo que, infelizmente, está longe de ser o caso de o Brasil.

Ao reconhecermos essa diferença de contexto entre a parte rica e a parte pobre da população, é nosso dever trabalhar para preencher essa lacuna. Um exemplo de iniciativa que busca reduzir esse gap são as cotas por condição financeira das universidades federais.

As cotas por baixa renda funcionam porque elas reconhecem que a criança que nasce em uma comunidade e estuda no colégio de bairro não possui condições de competir em igualdade com uma criança que nasceu em um bairro nobre e estudou no melhor colégio privado.

Essas diferenças de oportunidades são refletidas durante toda a vida do indivíduo, então não podemos analisar a seleção de um funcionário em um processo seletivo sem voltarmos às origens de cada um dos candidatos para entendermos o caminho deles até ali.

O candidato que fez o ensino básico em escolas privadas conseguiu passar no vestibular e arcar com os custos absurdos de uma universidade particular. Por estar em uma universidade de ponta e, muitas vezes, por conhecer algum facilitador de caminho (o famoso QI – “quem indica”), consegue um estágio em uma boa empresa. Depois de formado, a pessoa já possui um currículo que contenha graduação em uma universidade de ponta, intercâmbio, inglês fluente e experiências de estágio em empresas de referência no setor.

No entanto, já a pessoa que nasceu e cresceu em condições opostas, não raras vezes uma pessoa negra, o caminho é o contrário. Ela não consegue passar e/ou arcar com os custos de uma universidade privada, não pode se dar ao luxo de fazer um estágio, pois o salário não seria o suficiente para pagar as contas de casa, e quando, depois de muito esforço, consegue se formar, precisa competir para entrar em uma boa empresa. Mas sabemos que a competição não é justa. As cotas tentam resolver esse problema; tentam tornar essa competição um pouco mais justa.

A verdade é que, de fato, muitas empresas possuem viés social e realmente estão preocupadas em implementar medidas que gerem transformação, e, felizmente, isso tem se tornado cada vez mais comum.

Talvez o termo ESG tenha se tornado tão famoso justamente pela facilidade na sua utilização, pois diferente de um selo B Corporation ou um certificado ISO, em que a empresa precisa passar por diversas avaliações antes de ter o direto de utilizar o selo, o ESG pode ser usado por qualquer um e pode ser justificado da maneira que a empresa bem entender. Apesar de ser um termo bonito e bem-intencionado, se tornou vago e perigoso quando mal utilizado.

Ainda, uma vez que a B3 (bolsa de valores brasileira) cria um índice ESG que se propõe a selecionar as empresas com maior consciência ambiental, social e de governança, e inclui a Petrobras neste índice, é porque temos um problema grande a ser enfrentado.

Por um Brasil com mais empresas com consciência ambiental, social e governamental, e menos rótulos de “empresas ESG”.

Por um Brasil com mais empresas que vão além.

Gabriel Pinheiro
CEO na FreeHelper e Associate de Private Equity na Noon Capital
Formado em economia pela UFPR. Em 2017 fundou a startup social FreeHelper onde atua como CEO. Há dois anos trabalha como Associate de Private Equity, com passagem pelo fundo Alothon Group e atualmente trabalhando na Noon Capital. Anteriormente trabalhou com fusões e aquisições na Cypress e como consultor de finanças na KPMG Brasil. Também é fellow da rede global changemakers.