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Mulheres e a Liderança Feminina no Terceiro Setor

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27 de fevereiro de 2020

A partir do início do século XXI o movimento feminista tomou maior força no mundo e um dos seus reflexos é a luta pela maior participação de mulheres na política, ou seja, no primeiro setor da sociedade (o estado), e nas empresas privadas, considerado o segundo setor. Contudo, pouco se fala sobre as mulheres no terceiro setor e até mesmo nos negócios sociais.

Dentro desse boom, é possível perceber um maior esforço tanto no setor privado quanto no setor público na inclusão de mulheres em espaços predominantemente masculinos, como por exemplo na área de tecnologia da informação, engenharias, lideranças em empresas e cargos políticos. Quando observamos uma reunião corporativa ou congressos e espaços políticos, vemos uma ocupação composta majoritariamente por homens. Referido índice pode ser explicado se olharmos para trás e entendermos a histórica e social exclusão de mulheres dos mais diversos ambientes que eram e ainda são predominados por pessoas do sexo masculino.

De acordo com Simone de Beauvoir, filósofa existencialista francesa e grande precursora do feminismo, os homens atribuem à natureza algumas “inferioridades” da mulher (como ser emocional e instável), das quais a mais importante é a incapacidade profissional. Conforme reforçado por Sherly Sandberg, chefe de operações do Facebook, apesar de representar metade da força de trabalho em grande parte do mundo, ainda são pouquíssimas as mulheres que ocupam cargos de liderança, seja na iniciativa privada, seja na esfera pública. Além disso, estudo da consultoria McKinsey de 2018 mostra que há apenas uma mulher em cargo de chefia para cada dez homens.

Agora, quando paramos para ver a composição das organizações que representam o terceiro setor, conseguimos ver um grande número de mulheres voluntárias, funcionárias, gestoras e até mesmo que ocupam cargos de liderança. No Brasil, por exemplo, conforme pesquisa realizada pelo IBGE em 2016, a porcentagem de homens que realizam trabalho voluntário é de 3.1% enquanto a de mulheres é de 4.6%. Essa proporção não é diferente na FreeHelper, em que mais de 60% dos voluntários cadastrados são do sexo feminino.

Contudo, o terceiro setor não é composto apenas de voluntários e voluntárias. Existem os fundadores das organizações, os conselheiros, os gestores em cargos de liderança e a equipe de colaboradores. De acordo com o Censo de 2018 do GIFE – Grupo de Institutos Fundações e Empresas – houve um aumento da diversidade nos conselhos das instituições: o número de organizações que possuem mulheres em seus conselhos passou de 79%, em 2016, para 88%, em 2018, no entanto, ainda assim, mulheres seguem sub-representadas nesses espaços. Quando fazemos um recorte para analisar essa estatística referente a mulheres negras, esses números são ainda mais baixos.

Por outro lado, os institutos e fundações brasileiras apresentam indicadores muito melhores que o observado em outros segmentos, e ainda existe uma predominância de mulheres nas equipes das organizações analisadas. Enquanto os homens representam 45% dos colaboradores, as mulheres compõem 55% das equipes de trabalho. Os dados referente a estatísticas de mulheres fundadoras ou em cargos de lideranças nas organizações sociais do Brasil são escassos, o que indica uma falha na própria pesquisa de institutos, contudo, conforme estatística mais recente, indo contrário ao fluxo do setor privado, das 77 organizações associadas ao Grupo de Institutos, fundações e empresas (GIFE), 51% conta com mulheres em posições de liderança.

Apesar de o número de organizações analisadas não ser tão relevante quando comparado ao número de organizações sociais no Brasil, ainda assim é possível verificar que, de um modo geral, quando falamos de participação de mulheres e da efetividade de seus cargos, vemos que o terceiro setor está a um passo à frente das empresas privadas com fins lucrativos.

O mesmo pode ser verificado, por exemplo, no Reino Unido (conforme a Classificação Socioeconômica das Estatísticas Nacionais – NSSEC), em que, no geral, as mulheres representam 50% dos gerentes profissionais superiores no terceiro setor (embora representem 67% da força de trabalho). Isso se compara a 46% no setor público e apenas 24% entre os que trabalham no setor privado. Se considerarmos a proporção de mulheres que trabalham em um setor que alcançam altos cargos gerenciais ou profissionais como um indicador de segregação vertical por gênero, descobrimos que as mulheres trabalhadoras do terceiro setor têm menos probabilidade de enfrentar a desigualdade de gênero que as trabalhadoras do setor privado.

Embora seja positivo e interessante o fato de o terceiro setor empregar tantas mulheres e muitos órgãos representativos terem mulheres como líderes, estamos longe de alcançar a verdadeira igualdade de gênero. Estatísticas da Charity Commission mostram que 71 dos principais executivos das 100 maiores instituições de caridade do Reino Unido – referência em filantropia – são homens e a disparidade salarial entre homens e mulheres é de 8% a favor dos homens. Portanto, analisando mais de perto esses dados, em vez de o setor elevar mulheres a posições de liderança, acaba sendo um setor de mulheres liderado por homens.

Assim como todos os outros, o terceiro setor tem objetivos, preocupação com indicadores e orçamentos, busca por boa performance e resultados. Não existe apenas o trabalho em prol da causa social a qual a organização atua, mas sim a necessidade de planejamento estratégico, metas e responsabilidade pelos resultados.
Apesar de alguns desses números parecerem positivos, a desigualdade de gênero não deixa de ser um problema dentro do terceiro setor. A representatividade delas é mais elevada que a dos outros setores, no entanto ainda é necessário muito esforço para que a tão sonhada igualdade de gênero seja alcançada.

Para Maure Pessanha, diretora-executiva e co-fundadora da Artemisia – uma das mais influentes organizações na área de negócios sociais – mulheres possuem uma excelente visão à longo prazo, têm capacidade de resolução de conflitos, talento para comandar equipes multiprofissionais e empatia com problemas e desafios alheios. Basicamente, não existem bons motivos para que uma mulher não ocupe um cargo de liderança, ainda mais combinado com a vontade de gerar impacto social.

Por isso, é importante saber desvincular o equivocado conceito social de que mulheres são mais sensíveis e intuitivas que homens como motivo para existirem muitas mulheres em frente às causas sociais e no chamado “primeiro damismo”, para começar a perceber e valorizar a capacidade profissional, as habilidades e ambições dessas mulheres dentro do terceiro setor e dos negócios sociais, afinal, o mundo precisa de mulheres capacitadas para gerir organizações e negócios com finalidades tão importantes.

Isso nos leva a continuar questionando: quais são as barreiras à igualdade que mulheres ainda precisam enfrentar? O que homens e mulheres precisam fazer para alcançarem a efetiva igualdade de gênero dentro do terceiro setor? Acredito que o primeiro passo é aceitar que a desigualdade de gênero – infelizmente – ainda é algo comum, e presente também no terceiro setor, para então buscar, de forma conjunta, estratégias para eliminar preconceitos e pensar em como incluir mulheres de forma mais efetiva e em cargos de maior responsabilidade. Assim, podemos até imaginar que, um dia, o terceiro setor poderá ser um exemplo a ser seguido pelos outros setores quando o assunto for igualdade de gênero, pois já estamos um pouco mais perto desse objetivo.

Jacqueline Glasmeyer
Diretora de Relacionamentos
Advogada formada pelo UniCuritiba com especialização em direito internacional e direitos humanos. Co- fundadora e diretora de relacionamentos da Freehelper, anteriormente atuou na Hasson Advogados com direito cível e internacional, participou de competições internacionais de direito, do programa de extensão Migração e Universidade Brasileira pela UFPR e atua como pesquisadora no tema de Mulheres, Paz e Segurança.