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Como o trabalho voluntário impulsiona a ação climática global

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01 de outubro de 2020

Segundo o relatório “Global Warming of 1,5º C” publicado pelas Nações Unidas no final de 2018, a humanidade tem até 2030 para reduzir drasticamente as emissões de gases que intensificam o efeito estufa, devendo até 2050 chegar em emissões-neutras (quando todas as novas emissões são neutralizadas de alguma forma). Se isso não for feito, viveremos ainda em nossa geração os piores impactos previstos da crise climática global com grandes perdas humanas, econômicas e ambientais. Basta ter um olhar crítico aos jornais e noticiários para notar que em nossas próprias cidades e regiões eventos climáticos extremos já estão acontecendo em maior frequência e intensidade, eventos estes que ressaltam e intensificam as já grandes desigualdades e distorções que nosso sistema econômico já reproduz.

O relatório aponta que teremos benefícios para as pessoas e para os ecossistemas se conseguirmos limitar o aquecimento global em 1,5º C de aumento em relação a níveis pré-industriais. Desde que a industrialização tomou o nosso planeta no final do século XIX já aumentamos em cerca de 1,1º C. Isso significa que estamos muito próximos de alcançar essa meta. O documento indica que se conseguirmos manter esse aumento de temperatura dentro do limite, poderemos dentre alguns dos resultados: evitar colapso de ecossistemas, extinção massiva de espécies e migrações forçadas de milhões de pessoas em áreas vulneráveis (em especial na América Latina e Caribe, África e sudeste asiático).

Apesar de tantos alarmes acionados pelos pesquisadores, o sentimento de urgência muito pouco foi internalizado em ações concretas por parte dos tomadores de decisão. Depois de décadas de intensas negociações realizadas em nível global, ainda estamos muito distantes de, de fato, adaptar o modelo de desenvolvimento globalizado que precisa de tantas dessas emissões para existir e prosperar. E, enquanto milhões de pessoas já são afetadas todo os dias, os interesses privados de grandes corporações poluentes ainda ocupam um espaço determinante para justificar essa inação dos países.

A crise climática global pode parecer ser um desafio grande demais para que possamos enfrentar individualmente, seus impactos são sistêmicos e suas causas também estão presentes em tantos aspectos da nossa rotina que é difícil até imaginar como as coisas seriam se não usássemos tanto combustível fóssil para gerar energia e tanto desmatamento para trocar florestas por agropecuária. Mas, seja na linha de frente, onde estão os maiores impactos e as pessoas mais afetadas, seja nos espaços institucionais onde grandes decisões políticas são tomadas, muitas pessoas encontram o propósito para se engajar de forma voluntária e fazer a sua parte em trabalhar por um mundo mais justo e sustentável.

O trabalho voluntário com a agenda de clima pode ser separado de muitas formas, mas uma divisão simples pode ser feita para entender a diversidade de possibilidades que existem: a ação orientada a incidir na agenda de clima e a ação de resposta aos impactos dos eventos climáticos extremos.

A primeira tem ganhado mais espaço nos últimos anos com a inclusão cada vez maior da narrativa climática dentro de organizações que já trabalham com o propósito de garantir a justiça social e ambiental. Isso acontece tanto em organizações ambientalistas e em projetos que pautam os direitos humanos já historicamente consolidados que recentemente incluíram a visão interseccional da agenda climática em suas pautas, mas também na imensa quantidade de novos projetos e movimentos espontâneos de juventude que já começam sua incidência com justiça climática como sua principal demanda.

Voluntários nesses projetos e instituições estão pautando o combate à crise climática em atividades de educação, ativismo, mobilização e em advocacy direto com os espaços institucionais de tomada de decisão, pressionando por políticas públicas que garantam a transição necessária para um modelo econômico mais justo e menos predatório ambientalmente e socialmente.

O segundo grupo está relacionado com a necessidade de resposta aos eventos climáticos extremos que têm acontecido cada vez mais em maior frequência, em maior quantidade e em ambientes que ainda não são adequadamente adaptados para lidar com essas ocorrências. São enchentes, alagamentos, deslizamentos de encostas, grandes estiagens, grandes tempestades, perdas nas safras agrícolas e outros impactos que afetam pessoas tanto nas grandes cidades quanto no campo e exigem resposta rápida da sociedade para mitigar os seus danos. Muitas das pessoas que fazem trabalho voluntário nessas circunstâncias não têm necessariamente um engajamento com a questão climática ou mesmo se identificam com ela de alguma forma, mas independente disso possuem papel determinante na diminuição do dano desses impactos.

Os países, empresas e pessoas que historicamente se beneficiam da manutenção do atual modelo de desenvolvimento que gera a crise climática tem o poder econômico e político para garantir que seus interesses sejam mantidos. Contra esse mecanismo estão organizações, movimentos e comunidades que, em geral, possuem muito menos recursos e menos poder para influenciar em processos políticos.

Por isso é importante ressaltar que independente do tipo de engajamento voluntário na ação climática, todas as formas são essenciais e valiosas para lidar com esse desafio. Grandes vitórias em relação ao avanço de medidas tanto de diminuição das emissões de gases de efeito estufa quanto de ações de adaptação a eventos extremos só foram possíveis graças às centenas de mobilizações de pessoas voluntárias, dentro e fora de organizações, em ONGs, movimentos e até mesmo individualmente.

Apesar de ressaltar esse protagonismo e importância do trabalho voluntário pela ação climática, é indispensável deixar claro que ele é uma resposta à inação do poder público em responsabilizar grandes empresas poluentes, investir em mitigar as emissões de gases de efeito estufa e adaptar nossos ambientes para que os impactos negativos sejam sentidos em menor intensidade. Em um mundo ideal, nenhuma pessoa deveria precisar se engajar pela ação climática.

Essa crise em que estamos vivendo se apresenta como um dos principais desafios que a humanidade já precisou lidar e as ações necessárias para evitar os piores cenários demandam um nível de ambição compatível com essa urgência. Enquanto ainda não temos a vontade política para fazer uma transição econômica justa e ambiciosa, precisaremos contar com o apoio essencial de pessoas voluntárias todos os dias, em todos os países e territórios.

João Cerqueira
Gestor de Comunidade
João Henrique Alves Cerqueira, ativista climático, estudante de engenharia ambiental pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e Gestor de Comunidade do Impact Hub Curitiba. Integrou as delegações oficiais do Brasil para as COP’s 22, 23 e 24 de clima das Nações Unidas. Em 2019, ele foi o brasileiro convidado pela ONU para participar do primeiro Youth Climate Summit e do Climate Action Summit na sede das Nações Unidas. É co criador do projeto “Cicli” de comunicação sobre a crise climática e co criador do Clima de Eleição, projeto de advocacy eleitoral para a agenda de clima. Fellow na rede Social Good Brasil, no programa Local Pathways da SDSN youth e do Global Shapers.