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Relatos de experiências: o trabalho voluntário pelo olhar de quem acredita

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13 de maio de 2021

Quando falamos em trabalho voluntário, muitas vezes pensamos na atividade em si, mas pode ser que nos esqueçamos da organização envolvida por trás. E é com o objetivo de elucidar os indivíduos responsáveis por todo o planejamento das ONGs que eu escrevo o artigo de hoje.

No meu último artigo para o blog da FreeHelper eu trouxe relatos de voluntários que contaram suas experiências e como o voluntariado teria afetado suas vidas. Hoje trago uma proposta diferente: a de observar o voluntariado pelo olhar daqueles que organizam tudo, os próprios administradores das organizações.

Para isso, entrevistei Tania Mara Cardozo, cofundadora do Movimento Voluntariado de Curitiba, projeto voltado à disseminação, desenvolvimento e capacitação da causa do voluntariado, facilitadora em temas do terceiro setor com ênfase em Voluntariado, conselheira sênior no CPCE e consultora social pelo IGESC. Sua formação acadêmica é de administradora, tendo realizado pós-graduação em Gestão de Negócios, se encontrando hoje aposentada.

Tania conta que atualmente atua com a divulgação da causa do voluntário por meio do projeto “Papo Voluntário”, que promove encontros mensais por meio de lives que apresentam e relatam a pertinência e relevância do voluntariado. Segundo ela, os encontros costumam contar com uma média de quinze interessados. O projeto também oferece mentorias para outras instituições ligadas à causa do trabalho voluntário, tendo, só neste ano, atendido sete outras organizações sociais e duas capacitações.

Ela explica que a ONG busca, através de suas atividades, o fortalecimento das OSCs (ou seja, das Organizações da Sociedade Civil) por meio da capacitação, assessoria e mentoria, para que, com essas atuações, ocorra a melhoria e aperfeiçoamento da prestação de serviços e a profissionalização dessas organizações.

Quando perguntei à Tania se ela visualizava um interesse da comunidade em integrar e somar ao projeto, ela afirmou que acredita que sim, “é importante”. Completou me explicando que atualmente estão com muitos projetos voltados à crise sanitária que assola o mundo, de modo que há um sentimento generalizado de solidariedade daqueles que estão inseridos nesse contexto, contudo, frisou que é necessário sempre “organização, processos, gerenciamento dos projetos com conhecimento da legislação pertinente ao voluntariado e transparência”, em conjunto ao entusiasmo e disposição das pessoas da comunidade.

A questionei sobre como ela enxerga o impacto dos voluntários no dia a dia da ONG e se esses voluntários mais frequentes, de alguma forma, se diferenciam dos voluntários que estão presentes em ações mais pontuais. Isto é, se essas pessoas do cotidiano e as ocasionais, de algum modo, teriam percepções diferentes de retorno social do trabalho voluntário em suas vidas, ao que ela respondeu que “o voluntário é impactado com novos saberes, novos relacionamentos e sentimento de satisfação no fazer o bem ao próximo. E ele deve doar o tempo que dispõe, mas ser honesto com a Organização da Sociedade Civil quanto a sua disponibilidade.”

Destacou ainda que “as pessoas que doam seu tempo no Voluntariado já subiram um degrau na escalada da cidadania plena”, de forma que não existe um perfil único de pessoas dispostas a atuarem junto à causa do voluntariado.

Tania frisou que, para ela, os pontos considerados mais difíceis no alcance do resultado almejado pela sua ONG são a sustentabilidade e a gestão.

Finalmente, encerrei a entrevista querendo saber sobre algum voluntário que tenha deixado uma forte marca na organização até hoje, ou, ainda, se ela teria o conhecimento de algum voluntário que teve sua vida impactada pelo voluntariado.

Então ela contou a interessantíssima história, a qual, por se tratar de uma experiência muito pessoal, transcrevo abaixo em suas próprias palavras:

“Como eu já atuei com gestão de voluntariado em várias organizações, eu tenho muitas histórias. Mas a principal, a que mais me toca, é a da, hoje uma grande amiga e colaboradora, Solange.

Eu fui convidada para fazer uma palestra de voluntariado para um projeto que fazia desenvolvimento de pessoas para o primeiro emprego. Eram então psicólogas, gestores de RH, pessoas que mostravam como fazer uma entrevista, entre outros, e eu tinha que falar sobre voluntariado, já que ele é uma porta para o networking. E uma das pessoas que estavam lá era a Solange, que havia chegado à Curitiba recentemente, vindo de São Paulo.

Depois da palestra ela veio falar comigo, pegou o meu contato e acabou se tornando uma colaboradora muito querida. Como eu fazia a gestão de dez projetos, com dez equipes, sempre cada um num canto, eu precisava muito de pessoas na administração e a Solange me ajudava muito na gestão de tudo isso, fazendo formulários, planilhas e listas de contatos.

Então ela fez um depoimento de que foi através da nossa palestra que ela foi despertada para o voluntariado e que se encontrou no terceiro setor. Ela acabou fazendo uma pós-graduação em gestão administrativa, que envolve também políticas públicas. Ela é, até hoje, muito ativa nesse meio, sempre me ajudando muito, inclusive ainda está no movimento atuando conosco.

Hoje em dia nós já não fazemos tanto essa parte externa, mas ela foi e é essa pessoa, essa amiga muito querida que me trouxe esse grande resultado, de que através do voluntariado a pessoa se encontra, se desenvolve e faz vários amigos.

Ela mostra essa bandeira da cidadania através do voluntariado.”

Uma história muito tocante e que nos faz pensar como o trabalho voluntário nunca é apenas uma demanda laborativa, mas uma atividade complexa, que envolve nobres responsabilidades.

Tania também contou outra história muito cativante, a qual, novamente, transcrevo inteiramente:

“Uma outra história bacana é de quando eu entregava os kits de materiais escolares para famílias carentes de uma comunidade da cidade de Morretes. Porém, infelizmente, sempre tem aquela pessoa que quer tirar alguma vantagem: ela entra duas vezes na fila, ou tem aquele sobrinho, aquele filho que ficou em casa… aquela coisa. Mas eu já conhecia a pessoa. Então ela veio me pedir um kit a mais e eu disse: ‘olha, eu já entreguei para o seu filho, para a sua filha… Está aqui na ficha’, e ela respondeu: ‘ah, Tânia, mas esse é para mim. Eu vou estudar.’

Eu respondi: ‘veja bem, então, assim como todas as crianças, daqui a seis meses você terá que me apresentar o seu boletim escolar’. E ela me olhou com uma carinha, daquele jeito, mas eu queria ver como ela ia sair dessa, né?!

E a gente até se esquece da história, com tanta coisa que acontece no nosso dia a dia, mas algum tempo depois ela apareceu com um boletim do EJA.

Eu disse a ela ‘Nossa! Então você realmente se matriculou!’, e ela me respondeu ‘ah, eu não ia me matricular, mas depois que você disse que eu precisava apresentar o boletim, acabei indo e gostando’.

Um ano depois ela me pediu um kit de manicure, porque ela havia começado um curso para exercer essa profissão, e foi muito bacana ver que, ao menos para essa pessoa, em meio a tantas outras com as quais nós atuamos voluntariamente, houve o desenvolvimento dela.

Foi realmente muito bom ver a história desta menina, de alguém que no começo quis tirar vantagem do nosso trabalho, mas que vendo o que nós fazíamos e sendo cobrada de apresentar o boletim, quis fazer o curso.”

E essa foi a entrevista com a Tania Mara Cardozo, do Movimento Voluntariado Curitiba, que conseguiu concatenar de forma tão instigante e nos permitiu a inversão do olhar para aqueles que organizam o voluntariado.

Assim, é possível concluir que a experiência de quem faz acontecer não se distancia de forma alguma da experiência de que se propõe ser voluntário, restando ambos com suas vidas positivamente impactadas pelas ações do voluntariado.

Paula Juliana Hoffmann Rocha
Bacharel em História e Direito
Formada em História pela UFPR e em Direito pela Unibrasil, Paula já participou de diversas atividades voluntárias e é apaixonada por ler e estudar sobre filosofia, ética, história.